Ponto final?A longa disputa do ICMS sobre deslocamento de mercadorias.
- Leonardo Gallotti Olinto
- há 20 minutos
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Antecipo minhas desculpas pela inconveniente citação de datas, mas elas são importantes para contextualizar a triste história tributária que quero contar.
ICMS é o acrônimo de Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços, tributo que em 1988 substituiu o ICM, sendo, na essência, o mesmo imposto, acrescido da cobrança também sobre determinados serviços.
O ICM foi criado em 1965.
Aqui me interessa o núcleo e objeto da imposição de um tributo, que é a mercadoria.
Pensemos, agora, na hipótese de um fazendeiro que possui duas fazendas de gado, separadas apenas por uma estrada. Se, em razão de uma enchente, ele precisar levar o gado de um lado para o outro, apenas cruzando a estrada, haveria incidência de ICMS?
Desde os idos de 1970 já se dizia que não. O nosso ruralista não deveria pagar o ICM, pois o seu gado não era uma mercadoria, que pressupõe, inclusive por sua semântica, o intuito de comércio, mercancia.
A Súmula 166 do STJ e o primeiro marco de segurança jurídica
31 anos depois de criado o ICM, em 23 de agosto de 1996, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento ao editar a Súmula 166, segundo a qual “o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte não configura fato gerador do ICMS”.
Resolvida a questão? Deveria estar. Mas não.
Menos de um mês depois, em 13 de setembro de 1996, o legislador editou a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), prevendo que o imposto incidiria também sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Essa contradição inaugurou uma batalha jurídica que se estenderia por décadas.
Não me perguntem qual o intuito dessa previsão legislativa, pois não saberei responder, mas o fato é que a discussão continuou.
Achando que estava abafando e soberanamente (olha uma palavra da moda aí), o STJ, em 10 de setembro de 2010, desta feita na modalidade Recurso Repetitivo, o novo apelido da Súmula (aqui o Bardo Inglês diria “Aquilo que chamamos Repetitivo, deveria dar a mesma segurança jurídica se a chamarmos de sumula), reitera seu entendimento.
É dizer, o Poder Judiciário, 45 anos longos após a criação do ICM, 36 depois do ICMS e 14 depois da Súmula 166 e da Lei Complementar 87, resolve de uma vez por todas essa discussão que ninguém mais aguentava.
Ops... resolveu, não!
ADC 49 no STF: o embate sobre a constitucionalidade
No dia 04 de setembro de 2017, o Estado do Rio Grande do Norte, ajuíza no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Constitucionalidade (sim, ela existe!), a famosa e notória ADC 49 (ligou o nome à pessoa?), pedindo à mais alta corte Brasileira que diga ser a Lei 87 constitucional, naquilo que aqui estamos contando.
Como se o STJ nada tivesse dito, entende?
Somente em 23/11/2023, passados 6 anos da dita ADC 49, o Supremo reafirmou o que já se sabia: não incide ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
E para surpresa de ninguém, isso ainda não é o suficiente.
Modulação de efeitos: proteção aos cofres estaduais ou insegurança para contribuintes?
O Estado do Rio Grande do Norte, dizendo-se surpreso e pego desprevenido, pede que a inconstitucionalidade (óbvia, diga-se) só valha do julgamento para frente, uma autêntica jabuticaba jurídica que atende pelo nome de “modulação de efeitos”.
Atendendo ao chamado, o Supremo responde que Ok, só não incide o ICMS sobre os deslocamentos entre estabelecimentos do mesmo titular a partir de janeiro de 2024.
Oi?? Como assim? Desde sempre as decisões disseram que não incide.
Faz sentido que 58 anos depois de sua criação, o imposto tenha que ser pago e somente não deve ser depois?
Claro que não.
A lógica da “modulação” é, evidentemente, para que os incautos que eventualmente, nesses anos todos, tenha pago o imposto, não venha a pedir de volta para os estados, causando uma inegável sangria nas já combalidas finanças das unidades federadas.
Até, inclusive, pelo pagamento dar direito ao crédito, de forma que a conta final, débito menos crédito, tende a ser zero.
Mas os famintos estados não se fazem de rogados, e se fartam de cobrar daqueles que respeitaram as decisões dominantes o imposto que não foi pago nessas operações aqui tratadas.
E não é que somente agora, em 25/08/2025, o Supremo esclarece a situação?
Sim, julgou que os Estados não podem cobrar daqueles que não pagaram o ICM ou ICMS e ponto final.
Ponto final?
Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados
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