Abraço de Urso – O julgamento da CIDE pelo STF
- Leonardo Gallotti Olinto
- há 7 horas
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Desde a criação do Estado, enquanto organismo imaterial que organiza a vida em sociedade, o tributo é sua fonte primária de financiamento, embora outras existam, com muito menos expressão monetária e financeira.
Por isso é o tributo uma prestação compulsória e absolutamente necessária.
É com a arrecadação dos tributos que desde priscas eras os governantes praticam suas políticas públicas e provê a sociedade dos meios necessários para a difícil convivência humana.
Porém, com a evolução veio a descoberta que o tributo poderia exercer uma função extraordinária e complementar, que se denominou de atividade parafiscal, sem jamais perder de vista que, na essência, o tributo existe para arrecadar.
Em verdade, “it´s all about money” (tudo se resume à questão financeira), pois essa pretensão além da mera arrecadação é, também, uma forma de o Estado interferir na vida econômica da sociedade.
Aí que nasce, em nosso ordenamento jurídico-constitucional, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, prevista no artigo 149 da Constituição Federal.
Ela é, por natureza, o braço do Estado interferindo na iniciativa econômica privada, com fins específicos e determinados, em geral para proteção das atividades nacionais.
A gênese da CIDE-Tecnologia
É o que ocorreu na década de 1990, com a conhecida reserva de mercado dos bens de informática, onde se pretendeu inibir a entrada no Brasil de produtos e serviços estrangeiros, para permitir que as empresas nacionais pudessem prosperar.
Como sabemos, não deu certo.
Insistindo no erro, nasce a CIDE-Tecnologia (ou CIDE-Royalties) que pretendia, na sua criação, o mesmo que antes, ou seja, tornar a importação de tecnologia mais cara e, mais do que isso, criar condições para que o Estado pudesse financiar a indústria nacional.
Significa dizer que o produto da arrecadação da CIDE deve ser destinado ao propósito específico. Não se pode arrecadar uma CIDE-Tecnologia e usar o dinheiro, por exemplo, para construção de uma ferrovia, por mais necessária que ela seja. Haverá, aqui, desvio de finalidade.
A virada interpretativa do STF
Pois bem. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da nossa Constituição, por diversas vezes, de forma acertada, delimitou o escopo da incidência da CIDE, respeitando sua razão de ser e o seu propósito intervencionista.
Porém, numa cambalhota interpretativa, há poucos meses esse mesmo Tribunal, ao pretender dar uma decisão definitiva sobre o tema e evitar que a matéria fique, a cada pouco, sendo julgada, alargou, para surpresa geral, o espectro de incidência deste tributo.
O espaço aqui é curto para alongar o tema, mas é essencial dizer que, embora o STF tenha a primazia de errar por último, não lhe é dado o direito de causar surpresas que prejudiquem a nação.
A decisão proferida faz com que do parafuso ao carro, do perfume ao azeite, tudo o que carregue o mínimo que seja de tecnologia importada, será, e deveria ter sido tributado por essa CIDE.
Não bastasse ir na contramão do que ele próprio STF vinha dizendo, ferindo de morte o princípio da colegialidade (respeitar as decisões do órgão) e deixando ao sabor das composições de momento (olhem a responsabilidade que é nomear um integrante da Corte), rasga frontalmente princípios básicos da tributação.
Quando a CIDE deixa de ser contribuição e vira imposto
Ao generalizar o campo de atuação da cobrança, o que era uma Contribuição específica e cirúrgica, passa a ser um imposto ordinário e genérico, atingindo todos e tudo.
Perdendo-se de vista a necessidade específica que gerou a intervenção estatal, é banalizado o propósito econômico, transformando em tirania tributária o que deveria ser cirúrgico, temporário e pontual.
Pior de tudo, não há qualquer contrapartida efetiva, na medida que a sua arrecadação não é, e muito menos será destinada especificamente para o fomento e proteção da indústria nacional.
O efeito dominó sobre a economia
Muito vem se comentando sobre o impacto financeiro numa plataforma de streaming, pois ela, além de fornecer entretenimento para a população, estava fomentando a indústria audiovisual brasileira, o que o Estado, há muito, abandonou.
Algo parecido com a Coréia do Norte. Não pode importar, nem pode fazer aqui.
Somente duas consequências podem advir dessa nefasta decisão. Ou os preços irão subir, elitizando os bens de consumo e gerando inflação, ou as multinacionais irão abandonar, aos poucos, os parcos investimentos que ainda fazem no nosso país.
É um perfeito jogo do perde-perde.
Ou então, como um abraço de urso, que na pretensão de te acalentar e te confortar, acabar por te sufocar.
Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados


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