A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, regulamentada pelo Projeto de Lei Complementar 68/24 e pela Emenda Constitucional nº 23, propõe uma transformação radical na forma de arrecadação de impostos no Brasil. A introdução do sistema de Split Payment para os novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) promete reduzir a sonegação e a inadimplência fiscal, inspirando-se em modelos internacionais. No entanto, essa inovação traz consigo desafios significativos que precisam ser cuidadosamente considerados.
O Split Payment, também conhecido como o "Pix dos Impostos", funciona como uma retenção automática do imposto no momento da transação financeira. Ao realizar uma compra, o valor do tributo é automaticamente deduzido e enviado diretamente aos cofres públicos, enquanto o valor líquido é creditado ao fornecedor. Esse método visa simplificar o processo de arrecadação e reduzir a sonegação, eliminando a necessidade de pagamentos mensais. Todavia, sua implementação bem-sucedida depende de uma integração perfeita entre tecnologia, fisco e instituições financeiras.
Uma das principais vantagens do Split Payment é a transparência e a imediata arrecadação dos tributos. Com os bancos responsáveis por separar e direcionar os montantes devidos aos cofres públicos, a medida busca combater a evasão fiscal de forma eficaz. Contudo, essa mudança no modelo de arrecadação trará impactos significativos no fluxo de caixa das empresas. Atualmente, os tributos são recolhidos mensalmente, mas com o novo formato, a dedução será imediata, podendo causar dificuldades de gestão financeira para as empresas que terão de lidar com a retenção instantânea dos valores.
Além dos desafios de fluxo de caixa, as empresas enfrentarão problemas relacionados à compensação de créditos fiscais. O novo sistema pode resultar em um acúmulo de créditos de impostos que precisarão ser reclamados administrativamente, aumentando a burocracia e os custos operacionais. A espécie de "compensação de ofício" realizada pelas instituições financeiras e os prazos de estorno em caso de recolhimento a maior são pontos críticos que precisam ser abordados para evitar prejuízos financeiros às companhias.
Outro ponto de atenção é o custo adicional com a remuneração das instituições financeiras envolvidas na operação do Split Payment. Esses valores custos, somados aos já elevados custos de fiscalização, podem tornar o sistema oneroso tanto para o governo quanto para os contribuintes. É fundamental que esses custos sejam equilibrados para garantir a viabilidade do novo modelo.
A experiência internacional com o Split Payment oferece lições valiosas. Países como a Bulgária e a Romênia tentaram implementar sistemas semelhantes, mas enfrentaram desafios significativos que levaram ao abandono ou reformulação das iniciativas. Estudo da União Europeia concluiu que, embora o Split Payment possa reduzir fraudes, os custos administrativos e a complexidade aumentada podem superar os benefícios, tornando a ferramenta mais onerosa do que vantajosa para os contribuintes.
Por outro lado, há exemplos de sucesso, como nos Estados Unidos, Itália e Polônia, onde o Split Payment foi implementado com êxito. No entanto, nesses casos, a aplicação foi específica e restrita a determinados setores ou transações, diferentemente da proposta brasileira que sugere uma adoção ampla. Nos Estados Unidos, por exemplo, a aplicação do Split Payment é limitada às vendas para consumidores finais, evitando complicações no sistema de débitos e créditos. Na Itália, a "scissione dei pagamenti" é usada principalmente em transações com entidades governamentais e grandes empresas, enquanto na Polônia, o sistema é voluntário e oferece benefícios específicos aos contribuintes que optam por utilizá-lo.
Além dos aspectos financeiros e operacionais, a transição para o Split Payment pode gerar confusão, especialmente durante o período em que coexistirão diferentes sistemas de arrecadação, como Substituição Tributária, créditos em conta gráfica e o próprio Split Payment de IBS. Essa sobreposição pode complicar ainda mais a gestão tributária das empresas, exigindo adaptações rápidas e eficientes.
O Split Payment também apresenta desafios em termos de sustentabilidade. O processamento descentralizado de dados por diversas instituições financeiras aumentará o consumo de energia, contrariando práticas de ESG (Environmental, Social, and Governance). Em um momento em que as empresas buscam cada vez mais alinhar-se a padrões sustentáveis, esse aumento no gasto energético pode ser visto como um retrocesso.
A proposta de Split Payment na reforma tributária traz a promessa de maior eficiência na arrecadação de impostos e simplificação administrativa. Entretanto, os desafios tecnológicos, financeiros e operacionais não podem ser subestimados. A experiência internacional sugere cautela e a necessidade de um planejamento detalhado para evitar que o sistema se torne mais um ônus do que um benefício. A chave para o sucesso reside na harmonização entre tecnologia, fisco e interfaces de pagamento, assegurando que os contribuintes não sejam prejudicados por um sistema que, embora inovador, pode se revelar complexo e oneroso.
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