A recente aprovação da alíquota zero aplicada aos produtos que compõem a cesta básica foi celebrada sob a justificativa de beneficiar a população mais pobre. No entanto, a análise das cadeias comerciais revela que esse benefício pode não ser integralmente repassado ao consumidor final, sendo apropriado por intermediários como produtores, beneficiadores e varejistas. Essa medida, que a princípio visa a justiça social, pode resultar, na prática, em um impacto limitado e até contraproducente.
Os produtos da cesta básica, que incluem itens essenciais como arroz, feijão e leite, entre outros, têm grande importância no orçamento das famílias de baixa renda. A alíquota zero deveria, em tese, reduzir os preços desses produtos, aliviando o bolso dos mais necessitados. Contudo, na realidade, o benefício fiscal é frequentemente absorvido ao longo da cadeia produtiva e comercial, sem atingir plenamente o consumidor final. Isso ocorre porque intermediários podem manter os preços altos, aproveitando-se da margem adicional proporcionada pela isenção fiscal.
Além disso, a redução de alíquotas para determinados produtos impacta a arrecadação de tributos como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A diminuição na arrecadação desses tributos implica na necessidade de ajustar a alíquota média para outros produtos e serviços, a fim de manter o equilíbrio fiscal. Soma-se a isso que, no modelo proposto pela reforma tributária, a isenção dos produtos da cesta básica acaba elevando a alíquota geral do IBS e CBS, o que afeta a população brasileira de maneira geral, inclusive os menos favorecidos.
Dessa forma, a proposta de desoneração geral dos produtos da cesta básica pode não se mostrar a política fiscal mais eficiente, ao mesmo tempo que a elevação das alíquotas médias de outros produtos e serviços acaba por onerar justamente aqueles que a isenção pretende beneficiar. Esse efeito cascata gera uma pressão inflacionária indireta sobre bens e serviços que não fazem parte da cesta básica, atingindo, assim, o consumidor final de maneira ampla e indiscriminada.
Para entender melhor essa dinâmica, é crucial observar que a isenção de impostos em um ponto específico da cadeia produtiva não garante a redução proporcional do preço no ponto de venda ao consumidor final. A complexidade e a diversidade das cadeias de suprimento podem diluir os efeitos da isenção, beneficiando desproporcionalmente os agentes econômicos intermediários. Isso se traduz em uma renúncia fiscal ineficiente, que não atinge plenamente seu objetivo social.
Um exemplo concreto desse descompasso pode ser visto na experiência internacional, como, por exemplo, na África do Sul. Em 2018, o governo sul-africano ampliou a lista de produtos isentos de VAT (Value-Added Tax) para incluir itens como farinha de milho, pão integral e fraldas, com a intenção de aliviar a carga fiscal sobre os consumidores de baixa renda. No entanto, estudos mostraram que a isenção de VAT não resultou em uma redução significativa nos preços desses produtos para os consumidores finais. Em vez disso, os benefícios fiscais foram na maioria absorvidos pelos intermediários ao longo da cadeia de suprimentos, como os varejistas e distribuidores. Esse cenário demonstra a necessidade de reavaliar a eficácia das políticas de isenção fiscal como instrumento de justiça social.
Diante dessa problemática, a reforma tributária traz uma nova ferramenta que poderia ser mais eficaz: o cashback. Esse mecanismo, introduzido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 132/2023, permite a devolução de parte dos tributos pagos, diretamente aos consumidores de baixa renda. A ferramenta se destaca por sua capacidade de direcionar os benefícios fiscais de forma precisa e eficiente, garantindo que apenas a população mais necessitada seja beneficiada.
O modelo de cashback apresenta diversas vantagens em relação à alíquota zero. Primeiramente, ele permite uma segmentação mais precisa dos beneficiários, utilizando dados do Cadastro Único para Programas Sociais. Dessa forma, apenas as famílias de baixa renda receberiam a devolução dos tributos, reduzindo significativamente a renúncia fiscal e evitando a necessidade de aumentar as alíquotas médias de outros produtos e serviços.
Outro ponto positivo é que incentiva reconhecidamente a formalização das atividades econômicas e fortalece a consciência fiscal dos cidadãos. Ao receber a devolução dos tributos, os consumidores são incentivados a exigir notas fiscais e participar ativamente do sistema tributário, o que contribui para a redução da informalidade e o aumento da arrecadação a longo prazo. Esse mecanismo, portanto, não apenas promove a justiça social, mas também reforça a sustentabilidade fiscal.
A implementação dessa ferramenta, entretanto, requer um planejamento cuidadoso e uma infraestrutura robusta para garantir sua eficácia e evitar fraudes. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta o cashback, sugere que a devolução personalizada do IBS e da CBS seja direcionada ao responsável pela unidade familiar inscrito no Cadastro Único. O sistema deverá ser gerido pela Receita Federal, no caso da CBS, e pelo Comitê Gestor do IBS, assegurando que os valores devolvidos cheguem efetivamente às famílias de baixa renda.
Em termos de operacionalização, pode ser realizado de diversas formas, como a devolução instantânea no ponto de venda ou o crédito em conta bancária. A flexibilidade desse mecanismo permite sua adaptação a diferentes contextos e necessidades, garantindo maior eficiência e alcance dos benefícios fiscais.
Portanto, enquanto a alíquota zero na cesta básica pode parecer uma solução direta para beneficiar a população mais pobre, suas limitações práticas sugerem que o cashback seria uma alternativa mais eficaz. Este mecanismo, ao garantir que os benefícios fiscais cheguem diretamente aos mais necessitados, evita distorções ao longo da cadeia de suprimentos e promove uma justiça fiscal mais precisa e sustentável. A implementação bem-sucedida do cashback pode marcar uma evolução na forma como o Brasil aborda a questão da tributação e dos subsídios, movendo-se em direção a um sistema mais justo e eficiente para todos.
Daniel Massena e João Pedro Tavares,.
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