Com a relevância da reforma tributária e alterações dela advindas, percebe-se a necessidade de não só entender os novos conceitos, como também verificar na prática o que de fato muda no sistema tributário atual e como isso pode afetar os contribuintes.
A reforma trouxe consigo uma mudança significativa para o panorama fiscal: a constitucionalização de novos princípios para o Sistema Tributário Nacional. Através do §3º do artigo 145 da Constituição Federal de 1988, os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente ganharam status constitucional, impactando diretamente a relação entre o Estado e o contribuinte.
Importante salientar a importância dos princípios constitucionais tributários. Tanto aqueles que já existem quanto os novos são meios de proteção importante aos contribuintes.
Os novos princípios constitucionais tributários representam, em tese, os fundamentos da reforma tributária, seja pela desburocratização de todo sistema e relação contribuinte/Fazenda, seja pela mitigação da sonegação e dos litígios excessivos, sendo, assim, uma proteção aos contribuintes.
Acerca dos novos princípios podemos, a partir da redação do recém incluso §3° do artigo 145 da CRFB/88, verificar a criação dos princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
Da simplicidade
A complexidade e a burocracia não são novidade no sistema tributário brasileiro. A instituição do princípio da simplicidade, na sua origem, busca desburocratizar e tornar o modelo mais acessível e compreensível para o cidadão. Isso significa leis mais claras, linguagem mais simples e procedimentos menos complexos, facilitando o cumprimento das obrigações fiscais e reduzindo a insegurança jurídica.
Na prática, podemos verificar sua aplicação frente à unificação dos tributos com a criação do IVA dual, da unificação das bases de cálculo, por exemplo, como forma de simplificar o recolhimento de vários tributos em um só.
Entretanto, a reforma prometeu simplificar as exigências documentais, chamadas obrigações acessórias. Além do custo de operacionalização atribuído às empresas para adaptação de seus sistemas às novas regras, o contribuinte enfrenta, na verdade, a criação de novas obrigações como a criação da Declaração de Incentivos, Renúncias e Imunidade de Natureza Tributária, conhecida como DIRBI.
Por fim, antes e durante o período da transição, poderá gerar incertezas na implementação das novas regras, ocasionando dificuldades operacionais.
Da transparência
A transparência, por sua vez, visa garantir que todas as informações fiscais sejam facilmente acessíveis, incluindo os dados sobre a arrecadação de tributos, sua destinação, com o intuito de evitar ou reduzir a evasão fiscal.
Em conjunto com a simplicidade, um dos papéis da transparência é utilizar regras com menor margem para interpretações abusivas, limites mais claros ao poder de tributar, unificando e automatizando os sistemas eletrônicos para as declarações e pagamento dos tributos, além de assegurar um acompanhamento mais preciso das obrigações fiscais.
Será preciso acompanhar como a divulgação das informações financeiras e fiscais pode afetar o setor privado, pensando nos possíveis riscos decorrentes da exposição de dados que possam ser sensíveis às empresas, pensando, ainda, em possíveis autuações.
Da justiça tributária
Tal instituto visa garantir equidade e justiça para os contribuintes no sistema fiscal. Como? Com a distribuição justa da carga tributária, de acordo com a capacidade contributiva de cada contribuinte, reduzindo a desigualdade social, com minimização das distorções econômicas causadas pelo sistema tributário atual.
Sua implementação tem grandes obstáculos, passando pela complexidade na definição das alíquotas progressivas, o combate à evasão fiscal e, ainda, pela resistência de determinados grupos que tendem a ser mais onerados com as mudanças.
De forma interessante, a reforma tributária, ao instituir o princípio da justiça tributária, privilegiou, inclusive, questões de desigualdade de gênero, como, por exemplo, na redução das alíquotas para produtos de cuidado à saúde íntima feminina, e se espera que o mesmo se aplique aos produtos de higiene pessoal e de limpeza, como: fraldas infantis e geriátricas, talco, sabonete e outros itens.
Além disso, as alíquotas de produtos destinados à cesta básica serão zeradas, mas, sem que sejam especificados quais produtos estarão incluídos nessa sistemática.
Da cooperação
Busca garantir um equilíbrio entre os deveres fiscais e os direitos dos contribuintes, procurando uma relação menos contenciosa, visando um desfecho justo. Uma aplicação prática se daria no caso de a Fazenda não cobrar os débitos que já estão prescritos, e o contribuinte, representado pelo seu advogado, não apresentar argumentos meramente protelatórios nas lides.
Para viabilizar a cooperação se faz indispensável o diálogo entre os contribuintes, os representantes das Fazendas e o Governo em todas as esferas como forma de dirimir os assuntos conflituosos e colaborar para seu cumprimento.
Da defesa do meio ambiente
Tida como uma das principais mudanças na reforma, a preocupação com o meio ambiente é clara. Acredita-se que a interação tributária não deve passar os interesses do ecossistema, mas promovendo práticas sustentáveis e protegendo recursos naturais. Como isso se faz possível? Implementando impostos que desencorajam práticas prejudiciais ao meio ambiente, além de fornecer incentivos fiscais para iniciativas que sejam ecologicamente sustentáveis.
Mais uma vez nos deparamos com o desafio das empresas se adaptarem às novas práticas, tanto falando da operação em si, quanto da infraestrutura.
Como são conceitos novos adotados pelos legisladores, entende-se que surgirão dúvidas e interpretações divergentes acerca dos conceitos e aplicações, porém, é possível se adiantar em relação aos riscos e se planejar para dirimir os impactos.
Impacto para o contribuinte
A constitucionalização dos novos princípios representa um passo importante para a construção de um sistema tributário mais justo, eficiente e transparente no Brasil. Os contribuintes podem se beneficiar dessa mudança de diversas maneiras, como:
· Maior clareza e previsibilidade nas normas fiscais: As leis mais simples e a linguagem mais clara facilitam a compreensão das obrigações fiscais, reduzindo o risco de erros e litígios.
· Acesso facilitado à informação: A maior transparência garante que os contribuintes tenham acesso a todas as informações necessárias para cumprir suas obrigações fiscais de forma correta.
· Carga tributária mais justa: A justiça tributária garante que a carga tributária seja distribuída de forma mais equitativa entre os contribuintes, levando em consideração sua capacidade econômica.
· Relação mais próxima com o Fisco: A cooperação incentiva o diálogo e a colaboração entre o Estado e os contribuintes, facilitando a resolução de conflitos e a construção de uma relação de confiança mútua.
· Incentivos fiscais para práticas sustentáveis: A defesa do meio ambiente permite que a legislação tributária seja utilizada para incentivar práticas ambientalmente responsáveis e desestimular atividades que causem danos ao meio ambiente.
A constitucionalização dos novos princípios do STN representa um marco histórico para o direito tributário brasileiro. Com a implementação efetiva desses princípios, espera-se que o sistema tributário se torne mais justo, eficiente, transparente e comprometido com a defesa do meio ambiente, beneficiando tanto o Estado quanto os contribuintes, o verdadeiro patrocinador.
Bianca Calles e Manuella Valente, advogadas do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados
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